Novo nem sempre é sinônimo de melhor
Pontos-chave
- É necessário testar novos tratamentos porque eles podem ser piores ou melhores do que os já existentes.
- Os testes tendenciosos (viés) de tratamentos podem levar a sofrimento e morte dos pacientes.
- O fato de um tratamento ser aprovado não garante que ele seja seguro.
- Os efeitos colaterais dos tratamentos muitas vezes levam algum tempo para manifestarem-se.
- Os efeitos benéficos dos tratamentos são muitas vezes realçados em detrimento dos efeitos colaterais
Por que motivo são necessários testes imparciais de tratamentos?
Sem avaliações imparciais (livre de vieses), a prescrição de tratamentos inúteis ou até mesmo prejudiciais pode acontecer por serem considerados úteis ou, inversamente, os tratamentos úteis podem ser descartados como sendo inúteis. Além disso, os testes imparciais devem aplicar-se a todos os tratamentos, seja qual for a sua origem ou sejam eles considerados ou não convencionais ou complementares/ alternativos. As teorias não testadas sobre os efeitos dos tratamentos, por mais convincentes que sejam, simplesmente não são suficientes. Algumas teorias previram que certos tratamentos funcionariam, mas os testes imparciais revelaram o contrário; por outro lado, outras teorias previram com confiança que alguns tratamentos não funcionariam quando, na verdade, os testes mostraram que funcionam.
Embora exista uma tendência natural para pensar que “novo” significa “melhor” – como em anúncios de detergentes para máquinas de lavar roupa –, quando os novos tratamentos são avaliados em testes imparciais, podem ser considerados tanto piores como melhores, comparados aos tratamentos existentes. Existe uma igual tendência natural de se pensar que só porque algo é usado há muito tempo, deve ser seguro e eficaz. No entanto, o sistema de saúde está cheio de tratamentos utilizados com base mais em hábitos ou crenças muito fortes do que em evidência: tratamentos que muitas vezes não fazem bem algum e que, por vezes, acarretam dano substancial.
RELATOS SÃO RELATOS
“Os nossos cérebros parecem ter um condutor físico para relatos, e aprendemos mais facilmente através de histórias emocionantes; porém, estou perplexo pelo fato de tantas pessoas, incluindo uma grande quantidade de amigos meus, não conseguirem ver as ciladas nessa abordagem. A ciência sabe que os relatos e as experiências pessoais podem ser fatalmente enganadoras. São necessários resultados suscetíveis de serem testados e repetidos. A medicina, por outro lado, somente pode levar a ciência até aqui. Existe muita variabilidade humana para se ter certeza sobre o que quer que seja quando se trata de pacientes individuais. Portanto, é verdade que existe muitas vezes bastante margem para opiniões pessoais. Mas vamos ser claros quanto às barreiras, porque, se nos enganarmos com elas, a essência da ciência será rapidamente traída: escolhemos o caminho mais fácil, e os fatos e as opiniões se misturam até o ponto em que é difícil distinguir uns dos outros.” Ross N. In: Ernst E (ed.). Healing, hype, or harm? A critical analysis of complementary or alternative medicine. Exeter: Societas, 2008. p.vi-vii.
Não há nada de novo sobre a necessidade de testes imparciais: no século XVIII, James Lind utilizou um teste imparcial para comparar seis remédios que estavam sendo administrados naquela época para tratar o escorbuto, doença que estava matando grande número de marinheiros em longas viagens. Ele mostrou que laranjas e limões, que atualmente sabemos que contêm vitamina C, proporcionavam uma cura bastante eficaz. Em 1747, enquanto trabalhava como cirurgião naval a bordo do HMS Salisbury, James Lind juntou 12 dos seus pacientes em fases semelhantes da doença, acomodou-os na mesma parte do navio e assegurou que eles tivessem a mesma dieta básica. Isso foi crucial porque criou um “nível equitativo” (ver o Capítulo 6 e a página 75 no Capítulo 3). Então, Lind designou dois marinheiros para receberem um dos seis tratamentos que eram usados na época para tratar o escorbuto: cidra, ácido sulfúrico, vinagre, água do mar, noz-moscada, duas laranjas e um limão. As frutas ganharam sem sombra de dúvidas. Mais tarde, o Almirantado ordenou que todos os navios fossem abastecidos com suco de limão, o que levou ao desaparecimento da doença mortal da Marinha Real britânica no final do século XVIII.
Dos tratamentos comparados por Lind, o Royal College of Physicians preferia o ácido sulfúrico enquanto o Almirantado preferia o vinagre. O teste imparcial de Lind revelou que ambas as autoridades estavam erradas. Por incrível que pareça, as autoridades influentes enganam-se com frequência. Confiar demais na opinião, no hábito ou no precedente, em vez de confiar nos resultados de testes imparciais, continua causando problemas sérios na saúde (ver a seguir, e consultar o Capítulo 2).
Atualmente, as incertezas sobre os efeitos dos tratamentos são muitas vezes realçadas quando as opiniões dos médicos divergem quanto à melhor abordagem a usar para uma determinada condição (consultar Capítulo 5). Na abordagem dessas incertezas, os pacientes e a população, bem como os médicos, têm papel importante. É do má- ximo interesse tanto dos pacientes quanto dos profissionais que a pesquisa sobre os tratamentos seja rigorosa. Tal como os profissionais de saúde devem ter a garantia de que as recomendações dos seus tratamentos baseiam-se em evidência sólida, também os pacientes precisam exigir que isso aconteça. Somente com a criação dessa parceria a população poderá confiar em tudo o que a medicina moderna tem para oferecer (consultar os Capítulos 11, 12 e 13).