O que o rastreamento pretende alcançar e por que motivo a evidência importa
Os exemplos que já demos mostram que, antes de correr precipitadamente para o rastreamento difundido, vale a pena parar por um momento para considerar os recursos principais dos programas de rastreamento e para nos lembrarmos do que eles pretendem alcançar.
As pessoas às quais se oferece o rastreamento não têm, ou não notaram, os sintomas ou sinais da condição sendo testada. Elas não procuraram a atenção médica para o transtorno em questão. O objetivo do rastreamento de indivíduos ou de populações é reduzir o risco de morte ou saúde debilitada no futuro, em razão de uma condição específica, por meio da oferta de um teste que visa a ajudar a identificar pessoas que poderiam se beneficiar do tratamento. A meta do rastreamento não é simplesmente diagnosticar doenças precocemente – isso pode não ajudar ninguém e pode até ser prejudicial. Os critérios básicos para avaliar o valor dos testes de rastreamento foram descritos em um relatório da Organização Mundial da Saúde em 1968.
Esses critérios foram ainda mais refinados para refletir o modo como os serviços de saúde são prestados hoje em dia. As pessoas convidadas para o rastreamento precisam de informação suficiente e equilibrada sobre o teste que está sendo sugerido, incluindo possíveis danos, consequências e limitações, bem como potenciais benefícios, para que possam fazer uma escolha informada.
Essencialmente, os pontos principais somados convencem a não fazer o rastreamento, a menos que:
• a condição sendo rastreada seja importante em termos de saúde pública. Por exemplo, é grave e/ou afeta um grande número de pessoas;
• exista uma fase inicial da condição que é reconhecível;
• exista um tratamento eficaz e aceitável para a condição, por isso o rastreamento pode fazer a diferença no seu resultado;
• exista um teste válido e confiável para a condição aceitável para pessoas às quais se oferece o rastreamento;
• o programa de rastreamento seja de boa qualidade e econômico no cenário em que é sugerido;
• a informação fornecida às pessoas é livre de viés, baseada em boa evidência e clara quanto aos possíveis prejuízos (p.ex., sobrediagnóstico levando ao tratamento exagerado) e aos potenciais benefícios;
• o convite para o rastreamento não seja coercivo, significando que é razoável rejeitá-lo;
• a chance de danos físicos ou psicológicos para as pessoas às quais o rastreamento é oferecido seja provavelmente menor do que a chance de benefício;
• existam instalações adequadas para o diagnóstico e o tratamento de anomalias detectadas pelo rastreamento.
Esses critérios reforçam a mensagem do começo deste capítulo: qualquer decisão de introduzir um programa de rastreamento deve basear-se em evidência de boa qualidade, não só relativa à sua eficácia, mas também ao seu potencial para ser prejudicial.