Quando os médicos não estão de acordo
Nesta seção
- Introdução (esta página)
- Cafeína para tratar problemas respiratórios em bebês prematuros
- Antibióticos em partos prematuros
- Câncer da mama
Introdução
Para muitas doenças e condições, existe incerteza substancial sobre até que ponto os tratamentos funcionam, ou sobre qual o melhor tratamento para cada paciente. Isso não impede que alguns médicos tenham opiniões bem intensas sobre os tratamentos, mesmo que elas possam diferir de um médico para outro. Isso pode levar a uma variação considerável dos tratamentos prescritos para determinada condição. Na década de 1990, Iain Chalmers, um dos autores, enquanto
estava em férias nos Estados Unidos, quebrou o tornozelo e foi tratado por um cirurgião ortopédico. O cirurgião colocou a perna em uma tala temporária e disse que a próxima etapa, após o desaparecimento do inchaço, seria a aplicação de uma camada de gesso na parte inferior da perna, permanecendo durante 6 semanas. Ao regressar para casa alguns dias mais tarde, Iain dirigiu-se à clínica de fraturas local, onde um cirurgião ortopédico britânico, sem qualquer hesitação, ignorou
esse conselho. O cirurgião britânico disse que colocar gesso na perna seria inteiramente inadequado. À luz dessa incerteza profissional óbvia, Iain perguntou se ele poderia participar de uma comparação controlada para descobrir qual seria o melhor tratamento. O cirurgião britânico respondeu que os ensaios clínicos controlados são para pessoas que não têm certeza se estão certas ou não – e ele tinha certeza de que estava certo.
Como pode uma diferença tão pronunciada como essa em termos de opinião profissional surgir, e o que um paciente pode fazer a respeito disso? Cada cirurgião estava certo, individualmente, sobre o curso de ação correto. No entanto, as suas visões amplamente divergentes revelaram claramente incertezas existentes na profissão no seu todo quanto à melhor maneira para tratar uma fratura comum. Havia evidência confiável sobre qual o melhor tratamento? Se sim, será que algum ou nenhum dos cirurgiões tinha conhecimento da evidência? Ou será que ninguém sabia qual o melhor tratamento (ver Figura 1)?
Talvez os dois cirurgiões divergissem quanto ao valor atribuído aos resultados particulares dos tratamentos: o cirurgião americano pode ter se preocupado mais com o alívio da dor, daí a recomendação para por o gesso, enquanto o seu colega britânico pode ter se preocupado mais com a possibilidade de perda de força muscular, que ocorre quando um membro fica imobilizado dessa forma. Se foi esse o caso, por que motivo nenhum dos cirurgiões perguntou a Iain qual
desfecho era mais importante para ele, que era o paciente? Duas décadas depois, a incerteza continua sobre como gerir essa condição bem comum.
Há várias questões diferentes aqui. Primeiro, havia alguma evidência confiável comparando as duas abordagens bem diferentes
que estavam sendo recomendadas? Se sim, essa evidência mostrava os seus efeitos relativos em desfechos (dor reduzida ou perda de força muscular, por exemplo) que podem ser importantes para Iain ou para outros pacientes que podem ter preferências diferentes das dele? E se não houvesse qualquer evidência fornecendo a informação necessária?
Alguns médicos são claros sobre o que fazer quando não há evidência confiável sobre os efeitos de tratamentos alternativos e estão preparados para discutir essa incerteza com os pacientes. Por exemplo, um médico especialista em tratar pessoas que sofreram AVC comentou que, embora a evidência de pesquisas mostre que seus pacientes iriam se beneficiar mais se fossem tratados em uma unidade de AVC, ainda há dúvidas quanto à administração de medicamentos para evitar coágulos para muitos tipos de pacientes (consultar também o Capítulo 11). Quando discutia as opções de tratamento com os
pacientes, ele explicou que esses medicamentos podem ser mais benéficos do que prejudiciais, mas, para alguns pacientes, eles podem ser mais danosos do que benéficos. Por exemplo, por causa da forma como atuam, esses medicamentos podem reduzir os efeitos de um tipo de AVC, mas podem causar hemorragia grave no cérebro. Então, ele continuou explicando por que motivo, nessas circunstâncias, ele achava que somente podia recomendar esse tratamento no contexto de uma comparação cuidadosamente controlada, o que deveria ajudar a reduzir a incerteza. Essas incertezas sobre vários aspectos dos anticoagulantes ainda persistem.