Gerando e investigando indícios sobre os efeitos adversos imprevistos dos tratamentos

Gerando indícios sobre efeitos imprevistos dos tratamentos

Os efeitos imprevistos dos tratamentos, bons ou maus, são muitas vezes suspeitos, primeiramente pelos profissionais de saúde ou pelos pacientes. Como os testes de tratamentos precisavam obter licenças de comercialização que incluem algumas centenas ou alguns milhares de pessoas tratadas ao longo de alguns meses, somente os efeitos colaterais relativamente de curto prazo e frequentes serão possivelmente detectados nessa fase. Os efeitos raros e aqueles que levam algum tempo para se desenvolver só serão descobertos quando os tratamentos tiverem um uso mais expandido, em um período mais longo e em um leque mais vasto de pacientes do que aqueles que participaram dos testes do pré-licenciamento.

Em um número crescente de países, incluindo Reino Unido, Holanda, Suécia, Dinamarca e os Estados Unidos, existem instituições para clínicos e pacientes notificarem reações adversas suspeitas de medicamentos, que podem então ser investigadas formalmente. Embora nenhum desses programas de notificação tenha sido especialmente bem-sucedido na identificação das reações adversas importantes aos medicamentos, existem exemplos em que eles foram significativos. Por exemplo, quando o medicamento para baixar o colesterol, a rosuvastatina, foi lançado no Reino Unido em 2003, os relatórios
começaram logo a identificar um efeito adverso grave, raro e imprevisto nos músculos, chamado rabdomiólise. Essa condição destrói os músculos rapidamente e os produtos das células musculares podem causar danos graves nos rins. Investigação adicional ajudou a demonstrar que os pacientes com maior risco de sofrer dessa complicação eram aqueles que tomavam doses elevadas do medicamento.

Investigando indícios sobre efeitos imprevistos dos tratamentos

Os indícios de efeitos adversos muitas vezes acabam sendo alarmes falsos. Então, como os indícios dos efeitos dos tratamentos imprevistos devem ser investigados com vista a descobrir se os efeitos suspeitos são reais? Os testes para confirmar ou descartar efeitos suspeitos imprevistos devem observar os mesmos princípios que os estudos para identificar efeitos esperados e previstos dos tratamentos. E isso significa evitar comparações com viés, garantindo que “semelhante seja comparado com semelhante” e estudando a quantidade adequada de exemplos. Assim, os efeitos esperados dos tratamentos e os efeitos significativos imprevistos são mais fáceis de notar e confirmar do que os efeitos menos significativos. Se o desfecho suspeito e imprevisto do tratamento é normalmente muito incomum, mas ocorre frequentemente após um determinado tratamento ter sido feito, isso geralmente alerta os clínicos e os pacientes para algo que está errado.

No final do século XIX, o cirurgião suíço Theodor Kocher ficou sabendo por um médico clínico-geral que uma das meninas de quem Kocher havia removido a glândula tireoide alguns anos antes havia se tornado monótona e letárgica. Quando ele investigou essa situação e outros pacientes antigos com bócio que ele havia operado, descobriu que a remoção completa da glândula da tireoide aumentada tinha resultado em cretinismo e mixedema – problemas raros e graves resultantes da
ausência do hormônio produzido pela glândula, como sabemos hoje em dia. Os efeitos imprevistos da talidomida (ver Capítulo 1) foram suspeitos e confirmados porque a associação entre o uso do medicamento na gravidez e o nascimento de bebês sem membros era substancial.

Nunca se tinha ouvido falar antes dessas anomalias. Efeitos imprevistos e menos significativos dos tratamentos surgem
por vezes em estudos randomizados projetados para avaliar os méritos relativos de tratamentos alternativos. Uma comparação randomizada de dois antibióticos administrados em bebês recém-nascidos para prevenir infecção revelou que um dos medicamentos interferiu no processamento de bilirrubina pelo corpo, um produto residual do fígado. O acúmulo do produto residual no sangue provocou danos no cérebro de bebês que haviam recebido um dos antibióticos que estavam
sendo comparados. Por vezes, análises adicionais de estudos randomizados realizados no passado podem ajudar a identificar efeitos adversos menos significativos. Depois de ter sido demonstrado que o medicamento dietilestilbestrol (DES), administrado em mulheres durante a gravidez, havia causado câncer nas filhas de algumas delas, houve especulação
sobre outros possíveis efeitos adversos. Esses efeitos foram detectados entrando em contato com os filhos e filhas das mulheres que haviam participado de estudos controlados.

Esses estudos de acompanhamento revelaram anomalias genitais e infertilidade em homens e mulheres. Mais recentemente, quando se suspeitou que o rofecoxib (Vioxx®), um novo medicamento para artrite, era o causador de ataques cardíacos, um exame mais detalhado dos resultados dos estudos randomizados relevantes demonstrou que realmente teve esse efeito
adverso (ver Capítulo 1). O acompanhamento de pacientes que participaram de estudos randomizados é obviamente um modo bem desejável de garantir que semelhante será comparado com semelhante, quando indícios sobre efeitos imprevistos do tratamento estão sendo investigados. Infelizmente, a menos que tenha sido feita provisão avançada disso, raramente
é uma opção. A investigação de indícios sobre os possíveis efeitos adversos dos tratamentos apresentaria poucos desafios, caso
os dados de contato das pessoas que participaram de estudos randomizados fossem coletados rotineiramente. Poderiam assim ser contatadas novamente e fornecer mais informações sobre a sua saúde.

A investigação de efeitos adversos suspeitos dos tratamentos torna-se mais fácil se eles causam um problema de saúde totalmente diferente daquele para o qual foi prescrito. Por exemplo, quando o dr. Spock recomendou que os bebês deviam ser colocados para dormir de barriga para baixo, sua prescrição foi para todos os bebês, e não para aqueles que se acreditava estarem em risco acima da média de vir a sofrer morte súbita (ver Capítulo 2). A falta de qualquer ligação entre a recomendação prescrita (“colocar os bebês para dormir de barriga para baixo”) e a consequência suspeita da recomendação (morte súbita) ajudou a reforçar a conclusão de que a associação observada entre a recomendação prescrita e a morte súbita refletia causa e efeito.

Em contrapartida, a investigação de indícios de que os medicamentos prescritos para a depressão levaram a um aumento dos pensamentos suicidas, que por vezes acompanham a depressão, apresenta um desafio muito maior. A menos que haja comparações randomizadas dos medicamentos suspeitos com outros tratamentos para a depressão, é difícil assumir que as pessoas que tomaram e não tomaram os medicamentos são suficientemente semelhantes para fornecer uma comparação confiável.

  • Ichalmers

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  • Anonymous

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