Como fornecer tratamento em um teste imparcial

O que deve acontecer quando existe importante incerteza relacionada aos efeitos de tratamentos novos ou antigos que não foram adequadamente avaliados? Uma resposta óbvia é seguir o exemplo do médico tratando seus pacientes com AVC, como descrevemos antes: abordar a incerteza oferecendo tratamentos avaliados inadequadamente somente em um contexto de pesquisa criada para descobrir mais sobre seus efeitos.

Um especialista em ética médica colocou desta forma:

Se não temos certeza quanto aos méritos intrínsecos relativos de quaisquer [diferentes] tratamentos, então não podemos estar certos quanto a esses méritos em qualquer uso determinado de um deles – como no tratamento de um paciente individual. Por isso, parece irracional e antiético insistir em uma forma ou outra antes da conclusão de um experimento adequado. Assim, a resposta à pergunta ‘Qual o melhor tratamento para o paciente?’ é: ‘O experimento’. O experimento é o tratamento. Trata-se de experimentação? Sim. Mas tudo o que queremos
dizer com isso é expressar o poder de escolha perante incertezas, mais a coleta de dados. Importa que a escolha seja ‘randomizada’? Logicamente, não. Afinal de contas, que melhor mecanismo existe para escolher perante incertezas?”

Fornecer tratamentos em experimentos imparciais pode ajudar a fazer uma diferença profunda nos resultados para os pacientes. A história da leucemia infantil oferece um exemplo surpreendente disso. Até a década de 1960, praticamente todas as crianças com leucemia morriam logo após o diagnóstico. Atualmente, quase 85 crianças em 100 sobrevivem. Isso foi alcançado porque a maioria das crianças com leucemia participou de experimentos randomizados comparando o
tratamento padrão atual com a nova variante desse tratamento. Portanto, para a maioria das crianças com câncer, a melhor opção é escolhida pela participação em experimentos como esses. Se não houver disponibilidade desses experimentos, no mínimo os resultados do uso de tratamentos novos e não testados deviam ser registrados de modo padronizado, por exemplo, usando uma lista de itens, incluindo os testes de laboratório e outros que serão usados para diagnosticar uma condição e os testes que serão realizados para avaliar o impacto do tratamento.

O plano de investigação poderia também ser registrado em um banco de dados, tal como deveria acontecer com os estudos clínicos (consultar o Capítulo 8). Fazendo isso, os resultados podem contribuir para um conjunto de conhecimentos para benefício dos pacientes que recebem o tratamento não testado e de pacientes em todo lugar. Grandes quantias de dinheiro já foram investidas nos sistemas de tecnologia da informação em saúde e poderiam ser prontamente utilizados para capturar essas informações visando a beneficiar os pacientes e toda a população (consultar também o Capítulo 11). Deve haver alterações para que as incertezas relativas aos efeitos dos tratamentos sejam abordadas de modo mais eficaz e eficiente. Discutimos algumas, nomeadamente o maior envolvimento dos pacientes, mais adiante no livro (consultar os Capítulos 11 e 12). Contudo,
existe uma questão particular, na qual tocamos antes e que queremos enfatizar aqui. Quando existe informação insuficiente sobre os efeitos de um tratamento, o conhecimento pode ser ampliado pela garantia de que os médicos somente o administram no contexto de uma avaliação formal até que se saiba mais sobre o seu valor e suas possíveis desvantagens. No entanto, algumas atitudes persistem, incluindo os sistemas de regulação de pesquisas (consultar o Capítulo 9), que efetivamente desencorajam essa abordagem de limitação de riscos.

O problema irritou um pediatra britânico há 30 anos, quando ele observou sucintamente que precisava de permissão para oferecer um tratamento à metade dos seus pacientes (ou seja, estudar os seus efeitos administrando o novo tratamento à metade dos pacientes e administrando o tratamento existente a outra metade, fazendo uma comparação controlada), mas, se ele quisesse dar o mesmo tratamento a todos como prescrição padrão, não precisaria de permissão alguma.
Esse padrão duplo e ilógico ainda aparece repetidamente e desencoraja os médicos que querem reduzir as incertezas relativas aos efeitos dos tratamentos. O resultado geral é que os profissionais de saúde podem ser dissuadidos de gerar conhecimento a partir de seus experimentos ao tratar pacientes. Como o sociólogo americano Charles Bosk comentou uma vez: “vale tudo, se prometermos não aprender nada com a experiência”.

Ser capaz de explicar incertezas com clareza exige competência e certo grau de humildade por parte dos médicos. Muitos sentem-se desconfortáveis quando tentam explicar a potenciais participantes de um experimento clínico que ninguém sabe qual é o melhor tratamento. No entanto, a atitude da população mudou: os médicos arrogantes que “agem como se fossem Deus” são cada vez mais alvo de pouca consideração. Temos de nos concentrar em formar médicos que não têm vergonha de admitir que são humanos e que precisam da ajuda e da participação dos pacientes nas pesquisas para fornecer mais certezas sobre as escolhas dos tratamentos (ver Capítulos 11 e 12). O principal obstáculo para muitos médicos e pacientes é a falta
de familiaridade com as características dos experimentos imparciais dos tratamentos, uma questão abordada a seguir (ver Capítulo 6).