Regulação dos testes de tratamentos: ajuda ou atrapalha?

Pontos-chave

  •  A regulação da pesquisa é desnecessariamente complexa.
  • Os sistemas regulatórios atuais de pesquisas desmotivam a realização de testes imparciais de tratamentos que melhorariam a saúde.
  • Apesar dos requisitos regulatórios onerosos colocados aos pesquisadores, os sistemas regulatórios fazem pouco para garantir que os estudos propostos sejam legitimamente necessários.
  • A regulação das pesquisas faz pouco para monitorar e acompanhar as pesquisas
    aprovadas.

Introdução

Neste ponto você já deve ter percebido que, muito frequentemente, avaliações cuidadosas dos tratamentos não acontecem
e incertezas sobre os efeitos dos tratamentos persistem desnecessariamente. De modo perverso, como comentamos no Capítulo 5, algumas atitudes prevalecem e enganam ativamente os profissionais da saúde que trabalham com os pacientes para aprender mais sobre os efeitos dos tratamentos. Embora possa parecer estranho, sistemas para regular as pesquisas médicas na maioria dos países contribuem para esse problema ao forçar uma separação artificial entre a pesquisa e o tratamento. Assume-se que a pesquisa é uma atividade altamente arriscada e que exige supervisão rigorosa, enquanto o tratamento de rotina é visto como algo muito menos problemático, embora, como já descrevemos, pacientes podem ser colocados em risco quando recebem tratamentos não avaliados ou pouco avaliados fora de um contexto de pesquisa.

Por que motivo a pesquisa é vista como algo tão arriscado e que exige regulação especial, mas o tratamento de rotina (que afeta muito mais pacientes) não? Não podemos ignorar um histórico de abusos por parte dos pesquisadores, incluindo experimentos nos quais os pacientes foram explorados e usados como meio para chegar a um fim. As coisas podem correr mal na pesquisa às vezes, por isso existem diversas histórias horrorosas. Há sempre a preocupação, também de que, depois de as pessoas se tornarem participantes de pesquisas, seus interesses individuais podem ser menos importantes para os profissionais
da saúde do que os interesses gerais da pesquisa.

A situação é bem mais complicada, em razão dos motivos altamente variáveis dos pesquisadores: enquanto alguns pesquisadores conduzem estudos, primeiramente para beneficiar o público, outros são claramente motivados pelo dinheiro ou por melhores chances de carreira. E, por vezes, pode ser difícil julgar os motivos dos pesquisadores. A pesquisa pode, por isso, parecer uma possibilidade assustadora para pacientes e para a população em geral. É, em parte, por isso que existe um nível elevado de regulação da pesquisa na saúde. Os comitês independentes, geralmente conhecidos como Comitês de Ética em Pesquisa (REC em inglês, na Europa) ou Conselhos de Revisão Institucional (IRB em inglês, nos Estados Unidos), ajudaram
a proteger pessoas de abusos perpetrados em nome da pesquisa.

Eles revisam cada projeto de pesquisa e informam se ela pode prosseguir ou não. Além disso, têm um papel importante na prestação de supervisão da pesquisa e garantem ao público que estudos aprovados foram projetados com foco nos seus interesses. Esses comitês muitas vezes são compostos por voluntários não pagos, incluindo leigos, que revisam vários tipos diferentes de protocolos de estudo (planos dos pesquisadores do que eles pretendem fazer) e também toda a informação que será fornecida a pessoas que poderão participar do estudo. Os comitês podem exigir que os pesquisadores façam alterações aos seus protocolos ou às informações para seus participantes. Sem a aprovação dos comitês, os estudos não procedem. Os comitês ajudam a garantir que os participantes da pesquisa não se encontrem em risco desnecessário e asseguram aos participantes
e ao público que os pesquisadores não podem simplesmente fazer o que queiram. A pesquisa é sujeita a várias outras formas de regulação. Na maioria dos países, existem leis específicas relativas à pesquisa.

Todos os países da União Europeia, por exemplo, devem atuar em conformidade com a Diretiva para Ensaios Clínicos, que descreve os requisitos com relação aos chamados “ensaios clínicos de produtos medicinais”; essencialmente, isso significa estudos de medicamentos. Vários países operam também sistemas regulatórios que afetam todos ou a maioria dos tipos de pesquisa de saúde. Muitas outras leis podem
potencialmente afetar a pesquisa, embora não tenham sido projetadas tendo a pesquisa como propósito primário. Por exemplo, as leis de proteção de dados, destinadas a garantir a confidencialidade dos dados pessoais das pessoas, aplicam-se, em muitos países, à pesquisa médica. Uma gama de agências diferentes está também envolvida atualmente na regulação da pesquisa na maioria dos países. A conduta da pesquisa é também administrada por códigos de conduta profissional e por declarações internacionais. Os médicos e os enfermeiros, por exemplo, estão vinculados aos códigos de conduta das suas entidades profissionais e podem arriscar perder sua licença ou sofrer outras sanções caso violem esses códigos. As declarações internacionais, como a Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial, são muitas vezes altamente influentes na definição de padrões, mesmo quando elas não têm qualquer efeito jurídico.